RAPINA AMBIENTAL

>> domingo, 29 de março de 2009


A devastação só se inverterá quando a floresta em pé valer mais que a tombada
Todos estão certos, ninguém tem razão. Assim se parece a discussão sobre o desmatamento na Amazônia. Dados desencontrados, governo perdido, acusações múltiplas. A Hiléia sucumbe na incompetência coletiva. O assunto começou a embaralhar a opinião pública quando, há dois anos, numa jogada política, o Ministério do Meio Ambiente declarou que a queda no desmatamento, então apontado, era obra do seu governo. Não era crível. Analistas da matéria, incluindo boas organizações ambientalistas, sabedoras da inépcia governamental, creditavam o arrefecimento da devastação à crise da agropecuária.
Na época, a arroba do boi amargava o pior preço em 30 anos. Os parlamentares ruralistas defendiam, na Câmara dos Deputados, a criação da CPI da carne, para averiguar a formação de cartel entre os frigoríficos. Na soja, a quebradeira era geral, motivada pela sucessiva queda do dólar. Por duas vezes, seguidas, os agricultores semearam a safra com câmbio melhor, colhendo a produção em pior situação, estraçalhando sua renda. No Mato Grosso, o custo do frete, e os buracos nas rodovias, recomendavam nem plantar.
Segundo afirmava Marina Silva, porém, o ciclo da agropecuária era irrelevante. "Fomos nós", assegurava a Ministra, Ibama à frente, Polícia Federal atrás, posando de heroína. O desmatamento estava sendo controlado "como nunca na história desse país...". Uma chatice.
Agora que aumentou o fogaréu, virou no avesso o argumento. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), antes impoluto, se vê desacreditado pelo governo. E a culpa da desgraceira recai, vejam só, sobre o boi e a soja. Quando a notícia é positiva, sorte, a responsabilidade cabe ao governo federal. Piora o quadro, azar, lava-se as mãos, culpa da agropecuária. Política da lorota.
A virtude, sempre, mora no meio. É certo que medidas positivas de fiscalização se implementaram, a começar das malfadadas guias florestais, substituídas por sistema eletrônico no comércio de madeiras. Sabe-se que muita sem-vergonhice ainda se esconde por detrás desse famigerado mercado de toras. Mas melhorou, sem dúvida, o controle público.
É igualmente inegável que a expansão das pastagens e da sojicultura podem acelerar o desmatamento. A "moratória da soja", porém, pacto assinado entre grandes traders (que comercializam 92% da leguminosa do país) e entidades ambientalistas, Greenpeace à frente, amainou o estrago. Quem plantou soja em terrenos desmatados após julho de 2006 dificilmente encontrará bom comprador.
Quem é do ramo sabe que, normalmente, após a derrubada da mata virgem surge a pastagem. O solo recém-desbravado impede a mecanização. Muita gente planta arroz, ou milho, espécies gramíneas como o pasto, para "abrir" o terreno, ainda cheio de tocos e raizame. Somente no cerrado amazônico a lavoura de soja se instala de imediato.
Processo distinto ocorre na floresta úmida e densa. Como se sabe, a Amazônia legal, uma invenção dos militares, define um território maior que o "bioma Amazônia". A região de Rondonópolis (MT), por exemplo, conta na Amazônia, mas é dominada pelo cerrado. Cuidado com os conceitos.
Na floresta densa, ao contrário do cerrado, a rapina ambiental chega muito antes da agropecuária. Entender esse ponto é fundamental. Quando vem a derrubada, em corte raso, as serrarias já extraíram a melhor madeira-de-lei. Primeiro, caem as cobiçadas árvores de mogno, ipê e cedro. Depois, deitam o jatobá e a massaranduba. Tudo escondido.
O crime ecológico, quando detectado pelo satélite do Inpe, estoura na mídia e bate na cara do agricultor, mas apenas resvala nos verdadeiros ladrões da floresta. Aqui, no comércio da valiosa madeira, reside a origem do problema. Ou se enfrenta a lógica dessa economia perversa, ou nada restará da floresta amazônica.
Esse processo histórico, um conluio entre o poder público e o privado, madeireiros e proprietários rurais, posseiros e assentados de reforma agrária, exige duas formas de controle: primeira, a fiscalização do transporte, vistoriando os caminhões nas rodovias que partem da região Norte. As cargas são volumosas, notórias. A polícia, armada nas barreiras, não pega ladroagem se não quiser.
Segundo, urge reduzir o uso da madeira-de-lei na construção civil, substituindo-a por floresta plantada (pinus e eucalipto) na confecção de telhados e que tais. São Paulo consome 15% do rico lenho extraído da Amazônia. Nos tempos de aquecimento global, esse costume, quase uma adoração, pelo uso da madeira-de-lei, inclusive na movelaria, precisa ser repensado. Gosto antigo, oligárquico.
Calma. Para liquidar o assunto, falta ainda burilar num dogma: a legislação agrária do país continua confundindo floresta com terra improdutiva. Resultado: para escapar da reforma agrária, ao adquirir uma mata virgem, o proprietário manda derrubar, rápido, tudo o que puder. Vem assim desde os anos 60, com o Estatuto da Terra.
Ora, os tempos mudaram. Terra de onça não pode ser sinônimo de latifúndio. É verdade que, averbando a Reserva Legal à margem da escritura, o Incra fica impedido de considerá-la improdutiva. Nesse caso, a área preservada fica exposta, sem perdão, aos invasores de terra. Triste sina.
A corrente da devastação somente se inverterá quando um pedaço de floresta, mantido em pé, valer mais que tombado. A equação é complexa, dispensa raciocínio fácil. Um dia a sociedade vai premiar, e não castigar, a conservação ambiental.

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